sábado, 6 de agosto de 2011

A cinqüentinha da Raquel





Fiquei hipnotizado quando, aos sete anos, vi pela primeira vez uma bicicleta movida a motor. Era só um motorzinho dois tempos fumacento, mas foi ali que eu fiquei sabendo que seria um motociclista quando crescesse.

Aos treze anos despencava ladeira abaixo com minha bicicleta monareta equipada com um pedacinho de plástico preso no garfo, roçando os raios da roda da frente. Aquele barulho tec-tec-tec que o plástico fazia eu transformava no ronco de um motor potente que só dava defeito quando a descida acabava.

Aos quinze roubei uma lambreta vermelha e só parei quando a gasolina acabou.

Conto isso para mostrar minha paixão, desde criança, por motocicletas e para justificar minhas atitudes pouco louváveis no caso que passo a narrar.

Lá em Santa Rita do Sapucaí, um de meus colegas de república, o Sérgio Bocão, namorava uma menina feia demais, a Raquel. Tudo bem que mulher lá era coisa rara, mas eu achava que o Boca tinha passado da conta. Ia acabar queimando o filme da república toda.

Na época o bullying não só era permitido, como recomendado. E eu zoava sem culpa toda vez que via o moleque andando de mãozinha dada com ela pela praça.

A vida ia passando, o casal namorando e eu perturbando. Nada mudava, até que um dia, no fim da tarde, tudo mudou: da janela eu vejo a Raquel e o Boca chegarem, montados em uma moto.

Era uma hondinha linda, cinqüenta cilindradas, azul, tanque com laterais cromadas, farolzinho aceso, meu coração deu até uma meia parada. Tinha sido presente do pai dela. A Raquel, quem diria, agora vinha com uma moto de brinde...

A primeira coisa que tratei de reparar foi que a Raquelzinha não era tão feia assim, na verdade tinha era uma beleza exótica. Era só emagrecer uns bons quilinhos e dar um jeito no cabelo. Bom, o cabelo não tinha jeito, mas quando ela estava de capacete dava uma disfarçada boa.

Aos poucos fui entendendo que o motivo que me levara a implicar tanto com a vida do casal era o sentimento que eu sempre tivera pela Raquel e que não iria dar para o Bocão continuar ali empatando aquele amor sincero.

Planejei minha campanha. Fiquei mais cortês, passei a tomar banho, escovar dentes, por fim tomei coragem e me declarei. Ela, cansada de carregar o Boca na garupa, precisada de um motoboy, ficou de pensar com carinho.

E pensou mesmo, antes da revisão dos mil quilômetros da motinha eu já era o novo namorado da Raquel. E quem pilotava para o casal? Claro que era eu.

Aí virou rotina, todo dia lá pelas sete da noite eu esperava aquele bi-bi pontual anunciando que era hora de andar na moto. Ela pulava pra garupa e lá ia eu, feliz da vida, puxando os quase noventa quilos da dona com os cinco hp da hondinha.

Um dia tive uma idéia que iria facilitar muito a vida dela, que não gostava muito de pilotar. Eu ficaria com a moto e todo dia iria buscá-la para passear na hora que ela marcasse. Propus até dar uma forcinha na gasolina, se ela topasse.

Ela gostou da idéia mas não aceitou que eu pagasse a gasolina. Só recomendou que eu não carregasse mulher nenhuma na moto e é claro que eu concordei. A partir daí passei à parte do plano em que eu passearia com ela só nas segundas, quartas e sextas porque estava cheio de nota baixa, tinha que estudar mais.

E assim, nas terças e quintas a hondinha era só minha e o sul de Minas ficou pequeno pra nós dois. Eu ia pra Pouso Alegre comprar cigarrinho a varejo, ia pra Itajubá tomar uma coca e toda hora eu estava em Piranguinho comendo pé-de-moleque.

O chato era que na escola tinha um bando de invejosos, todos querendo uma moto igual à minha. Tinha um mala lá, um tal de Joinha de Volta Redonda, que toda vez que me via ficava perguntando quantas marchas tinha, quanto que corria, se um dia eu deixava ele dar uma volta. Quando eu via o cara na calçada, passava voado. Pelo retrovisor eu via que ele virava até o pescoço pra me filmar com aquele olho comprido.

Com o tempo passei a achar que a moto era minha e comecei a deixar uns furos com a Raquel. Às vezes chegava atrasado, tinha dia que eu nem aparecia. No fim era tanta impunidade que eu já nem ia mais, achando que ela só servia para atrapalhar a minha vida de aventuras sobre duas rodas.

Mas se com a menina eu vacilava, com a hondinha eu era pura atenção. Calibrava os pneus na risca, checava o nível do óleo, engraxava sempre a corrente.

Foi indo assim, só felicidade, até que um dia a Raquel falou que era pra eu ir lá na casa dela e levar a moto. Eu ainda pensei, deve ser pra emplacar, passou da hora, eu direto com essa moto sem placa na estrada.

Para minha surpresa não era pra emplacar. Era o confisco da minha motocicleta e no mesmo lance o desmanche do meu namoro. Eu ainda argumentei, chamei pra passear na moto e ela não quis. Aí apelei e pedi com voz embargada: -“Então deixa eu dar mais uma voltinha, pra me despedir?”

Ela jogou a chave dentro do sutiã GG e não deixou.

Nem sei como cheguei em casa, tive crise de abstinência, febrão de quarenta graus por duas semanas. Era dependência química, o corpo inteiro doía, foi sofrimento de novela mexicana. Só depois de uns quinze dias fui reaprendendo a andar a pé e aos poucos voltei a freqüentar as aulas.

Um mês depois, mais conformado, sofri um duro golpe que me levou a uma recaída quase fatal. Vi passar na minha frente a minha moto com a Raquelzona afundada na garupa e o Joinha, aquele filho da puta, buzinando sem necessidade, só pra me tirar do sério.



7 comentários:

  1. Só você mesmo !
    Essa história já conhecia, mas não me canso... ri um monte só imaginando as cenas e o plano pra furar o olho do amigo e roubar a namorada do cara.
    Grande abraço.
    WG

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  2. huahuahuahuahua
    O pior é que nessa história o único que gostava da Raquel era o Sérgio Bocão.

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  3. Acho que o Boca já sabia que a Raquel ia ganhar a moto.

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  4. Eu não sei se rio ou choro. Estou sofrendo contigo a pedra da cinco.. da Raquel! Cláudio, hahaha..putz.. nao sei o que dizer.. huahuahua excelente!

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  5. Boa foto, enganou direitinho, achei que seria uma grande história de amor... Só você mesmo, rolei de rir...
    bjs

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  6. Cadio,

    Perder a Raquel, ate que tudo bem. Em verdade, foi um ganho, mas perder a motinha deve ter machucado muito mesmo. Quem tinha uma motinha em Santa Rita era considerado principe.
    Pior de tudo, for perder ambos pro Joinha... caramba, com certeza magoou o coracao do amigo. O Joinha era um dos caras mais chatos da escola, ele so perdia para os 3 patetas, aquele trio de judeus que nao se misturava com a plebe estudantil. Mas, acho que a caravan curou a perda da motinha...
    Abracos,
    Capim

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  7. Pelegrine,

    Parabéns pelo blog, desculpe não ter postado um comentário antes...
    Uma romance muito triste esse... achei que vc fosse se casar com a moto e ela te trocou por um cara que nada mais nada menos se chama "Joinha"... e quem ficou c/ o "Bocão" foi tú, de bocão aberto, por ver que aquela "Raquelzona" te passou a perna, pegou o Sergio Bocão, vc, a moto e ainda o "Joinha".
    Um máximo...adorei!!
    bjos grande.
    Lisa

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