terça-feira, 9 de agosto de 2011

Na conta do Abreu


Ontem, ainda de férias, saí para jantar com dois amigos do tempo da faculdade. Jantamos três garrafas de vinho, comemos não me lembro o que e recontamos alguns casos, dos muitos que vivemos quando estudávamos na UFF. 

São tantas as passagens que se todos se dispusessem a escrever ia dar pra encher vários livros, seria uma espécie de Bíblia da trapalhada. Mas como nenhum deles quer perder tempo com isso, sobrou só para mim a tentativa de resgatar alguma coisa.

Infelizmente quase tudo que aconteceu nesta época só consigo me lembrar quando bebo. E como minha cardiologista me proibiu beber, alguns casos só serão conhecidos quando eu estiver transmitindo do além para médiuns da segunda divisão.

Mas com a memória de quem apanha, deste episódio me lembro nos detalhes.

Estávamos sóbrios, vínhamos da aula da noite, eu, o Tonzé e o Abreu, os três com aquela fome que só se tem aos vinte anos. Resolvemos fazer um lanche ali na padaria Colonial, que servia todo tipo de salgado desses que a gente também só consegue digerir quando é jovem.

O detalhe é que o dinheiro que a gente andava era inversamente proporcional ao tamanho do estômago. Juntando o que os três tinham no bolso não dava nem para o couvert. Então, inspirados naqueles filmes de assalto a banco, viemos na caravan bolando um plano que tinha tudo pra dar certo, não fosse a falta de espírito de equipe demonstrada pelo Abreu.

Estacionamos o carro um pouco antes, pro português nem pensar que a gente estava de má intenção. Era tarde, a padaria estava vazia. Encostamos no balcão e pedimos três coxinhas e três cocas de garrafa. Depois três risoles de camarão e mais três cocas. O Tonzé que era o mais guloso ainda pediu uma salsicha recheada de saideira.

Achamos que já que era pra não pagar, tanto fazia fugir devendo dez ou cem. Só não atinamos que quanto mais comíamos mais lerdos ficávamos para correr. Além disso, à medida que a despesa ia aumentando, o português ia prestando mais atenção no trio.

O plano não deixava claro quem seria o motorista da fuga. O mais lógico era que fosse eu, tinha mais prática e era o dono do carro. Mas aí chegou o cara de pau do Abreu e disse que gostaria de dirigir. Quem vê a cara dele, com aquele sorriso cretino com os dentes da frente separados, pensa que o sujeito é um santo. Eu desconfiei, mas já meio enjoado de tanta fritura engordurada, passei a chave pra ele.

Nos minutos que sucederam a saída do Abreu o ambiente ficou tenso. O plano era ele dar uma parada, já com a porta aberta, a gente pulava dentro do carro e se mandava cantando pneu pela Moreira César que na época tinha pouco movimento.

Tudo aconteceu muito rápido. O Abreu passou com a caravan de farol apagado e vidros fechados a mais ou menos uns oitenta por hora e nem olhou pra dentro da padaria. O Tonzé estava mais perto da porta imediatamente deu um pulo e sumiu na escuridão, correndo pela calçada. Eu, mais vacilão, fiquei sozinho, encostado no balcão, o português me olhando, eu olhando pro português.

Eu compensei a lentidão com sangue frio. Tranquilamente meti a mão no bolso e dei a entender que a despesa ficara por minha conta. Reparei que tinha um queijo na parte de baixo do balcão de vidro e perguntei pro portuga:-“Quanto custa o queijo?”

No que ele abaixou pra olhar eu segui a tática do Tonzé e fugi correndo o máximo que podia pela calçada. Na correria não enxerguei um frade de pedra na minha frente e bati sem frear. Voei uns dez metros, me ralei todo nas pedras da calçada. Ardeu, mas o que mais me incomodou foi a pancada do frade na região pubiana.

Levantei correndo, dobrei a Otávio Carneiro e sumi que nem maria-farinha na areia da praia de Icaraí. Me deitei perto da água e fiquei olhando na direção da rua, vigiando se o português vinha atrás do prejuízo. Quando olhei pro lado, vi o Tonzé na mesma posição que eu, com aquele topetão camuflado de areia.

Ficamos ali um bom tempo, o suficiente para a azia começar a incomodar. Enquanto isso analisamos tudo que tinha dado errado e juramos que nunca mais a gente iria se envolver com o Abreu. Só saímos quando vimos o sacana passar tranquilão, dirigindo com o braço pra fora, furando o sinal vermelho da praia, que a caravan não era dele mesmo.









8 comentários:

  1. A caravan morreu, mas soube através de um amigo espírita que já reencarnou em uma van Hyundai H100. A van também não está passando muito bem.

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  2. Meu primo, há muito não ria tanto sozinha... Pude imaginar toda a cena, e me diverti de verdade. Você realmente é uma figura! Bjssss

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  3. Hauahuahuahua! Eu caí junto contigo na calçada da padaria.. minha canela está ralada dessa leitura, e a região pubiana dolorida, com uma mancha roxa. Fantástico texto! Muito bom! Não basta saber escrever, tem que ter vivido! Nota 10!

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  4. Claudio.
    Fantástico. Sempre fui fã dos seus textos. Apesar do espaço limitado dos e-mails você sempre consegue dar o recado de forma espirituosa e com muito humor.
    Passarei a ser seguidor do seu blog e sempre que puder vou tentar contribuir, enviando "causos" que eu ainda lembro.
    Continue escrevendo.
    Um abraço.
    P.Mario

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  5. Na verdade o Abreu foi responsável por impedir vcs de uma carreira de crimes. Foi a maneira, didática, que ele encontrou pra mostrar que aquilo que parece fácil pode complicar mais do que vc possa imaginar.
    Cara bom esse Abreu, deve ser discípulo de Paulo Freire (pedagogia do oprimido).

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  6. Fernando, ligue pra Silvia e pergunte o que ela acha.

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  7. Qual parte, responsável, didática ou oprimido?
    A Silvia aliás é uma mulher de sorte, olha o quanto ela pode aproveitar essa capacidade didática do Abreu! Ela deve estar escolada!

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