sexta-feira, 10 de junho de 2011

A regra é clara


Nasci pra ser craque de futebol, mas dois fatos prejudicaram muito minha carreira.

O primeiro foi mais ou menos um ano depois do Brasil ser bi-campeão do mundo. Estava eu sentado na escada que dava acesso ao enorme pátio de terra do grupo escolar que eu estudava, assistindo o que viria a ser a mais importante partida de futebol de minha vida.

Eu usava óculos, tinha as pernas finas, a bola era muito pesada pra mim. Então, vaga só na torcida, onde eu ficava sozinho numa mistura de medo e vontade, sonhando com o dia que eu crescesse um pouco mais e fosse escalado, mesmo que fosse pra goleiro.

A pelada rolava feroz, os moleques, todos mais velhos que eu,  ficavam com a canela completamente preta de poeira e suor   Onde a bola ia, iam todos e valia qualquer coisa que não tirasse sangue do adversário.

De repente um grito, o beque grandão arrancou a tampa do dedo num caco de vidro e o time viu que não dava mais pra ele.  Todos me olharam, só tinha eu.  -“Moleque entra aí !” Meu coração bateu na garganta, não dava pra amarelar, era a minha chance. Fui tirando o vulcabrás, nem vi onde larguei a meia  e entrei tremendo, sem aquecimento nem instrução do técnico. Pra falar a verdade, nem as regras do jogo eu sabia.

A partida recomeçou e pela posição em campo que eu estava, acho que eu era lateral esquerdo. O ponta direita furou o cruzamento e a pelota veio toda torta, saindo devagar pela linha de fundo. Tomei coragem, dei um pique na direção da bola e antes que ela saísse dei o primeiro chute de minha vida. Um bicudo com toda força, emocionado, botando a bola pra fora, transformando o tiro de meta em escanteio contra meu time.
Orgulhoso pelo que julguei ter sido uma bela intervenção, não entendi a nova interrupção no jogo, desta vez pra eu tomar uns cascudos e ser xingado por todos os companheiros de equipe. Apanhei até do ponta furão do outro time.

Fiquei zanzando em campo mais uns dois minutos, com a orelha quente, torcendo pro jogo não vir mais pro meu lado. Aproveitei quando não tinha ninguém olhando, peguei meu sapato e dei no pé pro vestiário da minha casa. Ninguém notou que um dos times tinha ficado com um jogador a menos. Em casa ainda levei bronca por ter perdido a meia.

A outra coisa que me atrapalhou foi quando descobri que de óculos eu nunca seria um bom cabeceador.


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