quarta-feira, 8 de junho de 2011

Crochê, drogas e roquenrrôu


   -“Que dia vocês vão embora?” – era a perguntinha padrão da minha avó quando eu desembarcava da Caravan 79 abarrotada, com a Bia, Fabinho, André, Letícia, duas babás, muita fralda de pano suja, toneladas de brinquedos, uma guitarra e um amplificador.

   Celular naquela época só em filme de ficção científica, então a chegada era bruta, sem nenhum aviso. Sexta à tardinha, a velhinha ali, fazendo crochê, descansando os joanetes no banquinho em frente à cadeira de balanço, assistindo alguma precursora da Ana Maria Braga na TV, dava de cara com o bando já na metade da sala, bença vóóó, vamos ficar só até na segunda de manhã!!

   Antes que ela pudesse esboçar qualquer reação, a Dinha já estava na cozinha fazendo um franguinho famoso que não se vê mais nem em gostosura nem em rapidez. Meia hora depois os amigos começavam a aparecer, a sala ficava pequena, o jeito era ocupar a casa inteira.

   Tropeçando perigosamente nos brinquedinhos espalhados e pensando no bem estar das crianças, ela tentava: -“Porque vocês não vão pra fazenda? A Mirtes está viajando, a estrada está ótima, passaram até máquina no Morro do Sabão!”

   A gente ria, queísso vó, o bom é ficar aqui na casinha da senhora! Ela sentia o drama, ia na cozinha, abria aquele armário de aço Fiel, pegava um comprimidinho e, apesar do Black Sabbath trovejando na vitrola, voltava calminha pro crochê.

   E eu, pai de três, me sentia tão neto como quando matava aula pra ficar ali comendo bolo quente e vendo o National Kid dar porrada em preto e branco nos Incas Venusianos.

   Algumas vezes aceitávamos a sugestão dela e partíamos em massa pra fazenda, deixando a velhinha só com as crianças e as babás. Na fazenda não tinha avó, mas tinha um piano e um armário cheio de cachaças. Minha tia trancava o piano e sempre esquecia de deixar a chave, mas isso é conversa pra outro dia. 

PS - Trinta anos depois, observando em minha cama uma das belíssimas colchas que vovó fez, notei que em uma região os pontos eram totalmente fora do padrão. Me lembrou um documentário que vi na BBC, em que aranhas sob efeito de drogas teciam teias bem maluquinhas. E tive a certeza que aquele pedacinho da colcha ela tinha feito sob o efeito do Lorax, que ela tomava toda vez que a gente estava na área.

2 comentários:

  1. Caramba! Continuo apaixonada pela sua redação.
    E pelo amigo engraçado.
    Que bom que você continua engraçado e escrevendo.
    Só para não perder o costume de pilhar, vi um errinho, vamos ver se você acha...
    Gosto demais, demais de você!

    ResponderExcluir
  2. Claudio gente boa! atravéz de vc.elegemos a diretoria do gremio em sta.Rita, conto com vc. em Ponte nova vendo o Paletó de Madeira e levando um som c/a gente.

    ResponderExcluir